Porque para mim, se há algum truque em se escrever ficção histórica, é não pensar na higiene pessoal dos personagens. Os franceses inventaram o perfume por um motivo, e se o filme Perfume tem seus méritos, é mostrar a crueza da higiene da época. Mas, sendo meio germófobo, é o tipo de coisa que me perturba. Estou no campo da ficção, e quero que meu protagonista seja o mais limpo que sua época permita. Ainda é uma história de aventura de capa-e-espada, no final das contas, um subgênero no qual se permite - ou se deveria permitir, ao menos - certo grau de romantização quanto à galanteria e elegância do protagonista. Como nos antigos filmes de aventura, o espectador não quer imaginar que Errol Flynn ou Douglas Fairbanks tivessem bafo e dentes podres.
O que me fez chegar na escova de dentes. Determinar se meu protagonista escova os dentes me pareceu ao mesmo tempo absolutamente irrelevante e essencial, dentro dessa lógica. A depender do tipo de livro e da proposta que se quer desenvolver, não existe nenhuma razão para descrever atividades banais do cotidiano; ao mesmo tempo, num romance histórico, a descrição da rotina pode ser uma pincelada essencial na composição do quadro geral de hábitos e costumes de uma época que são tão diferentes do atual que beiram o alienígena. Lendo o livro Conversas com Kubrick descobri que o tópico da escova de dentes foi algo que o preocupou significativamente durante a pré-produção de Barry Lyndon (um livro e um filme que serviram de referência para o meu), a tal ponto que Kubrick chegou a encomendar pesquisas sobre o uso de escovas de dentes no século 18.
Não sei o que levou Kubrick atrás desse tópico, se compreender a qualidade da dentição da época foi um fator determinando na escalação do elenco ou coisa do tipo. Em Os dentes falsos de George Washington, Robert Darnton explica que dores de dentes não só são comuns na época, como assunto onipresente nas correspondências entre familiares e amigos - o século foi o auge do açúcar, do qual o Brasil, na sua sina de viver sempre no embalo de ciclos econômicos finitos, era o maior exportador do mundo. E o açúcar cobra seus custos. O próprio Washington perdeu seus dentes e precisou usar uma dentadura de madeira. Não é de se estranhar que Tiradentes fosse tão popular na Vila Rica do final daquele século, já que um bom tira-dentes era coisa difícil de se encontrar. E Carlota Joaquina, uns quarenta anos adiante, notoriamente perdeu os dentes e os trocou por substitutos de porcelana.
No final das contas, toda essa pesquisa para determinar o nível de saúde bucal do meu espadachim e formar, na cabeça do leitor, uma figura digna de um galã de cinema dos anos cinquenta (em que pese toda a carga pós-moderna intencional que isso possa acarretar). Pois que sim, algumas as pessoas escovavam os dentes no século XVIII, com escovas de cabo de madeira ou metal, e cerdas de pelo duro de camelo ou cavalo - a foto que ilustra este post é de uma escova de dentes inglesa data de 1794, por exemplo. Ainda que toda essa pesquisa e tempo gasto tenha se resumido, no meu livro, a não mais que uma rápida menção, feita de passagem, não maior que uma linha. É a vida.
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