quarta-feira, 13 de julho de 2016

A mulher que queria café em 1760

Ainda não conversei com algum outro autor que tenha se aventurado por romances históricos, para compartilhar desse tipo de susto ou dificuldade específica que volta e meia surge no caminho. Não imagino que seja excesso de zelo pela fidelidade histórica, mas é o tipo de pequeno detalhe que, quando surge, me faz querer arrancar os cabelos. No processo, primeiro eu estabeleço a ação - os personagens que precisam sair do ponto A e chegar no ponto B com o assunto X resolvido - e então, aos poucos, vou moldando a cena: onde se passa, como evolui o diálogo, como o narrador executa a transição de um momento ao outro sem parecer um corte abrupto.

A determinado momento, por exemplo, meus personagens se encontravam na rua e precisavam travar uma conversa que seria importante para o desenvolvimento da história. Como estamos em Londres na segunda metade do século XVIII, era de ouro das cafeterias, tenho um mapa da cidade feito por John Rocque em 1746 aberto no computador, uma lista de todas as cafeterias ativas na cidade na época, sei exatamente em que altura de Oxford Street meus personagens estão caminhando, então gasto um tempo maior do que deveria pesquisando em qual exata cafeteria meu trio de protagonistas iria se sentar para que eu ambientasse o diálogo.

Mas uma das personagens é mulher. E no meio do caminho, descubro que era muito, muito mal visto que uma mulher frequentasse cafeterias no século XVIII. Isso se dava pela cafeteria ser uma publick house tanto quanto os pubs ingleses, um espaço de convivência social e política onde se poderia tomar café à vontade e ler os jornais do dia por um preço fixo, onde era comum se interpelar os recém-chegados perguntando de onde vinha e que notícias trazia, enfim, a internet a da época. Por ser um ambiente abertamente político, tornava-se estritamente masculino, o tipo de ambiente onde uma mulher, dadas as circunstâncias, se tornaria mal falada por frequentar. A tal ponto as cafeterias roubavam os homens da convivência familiar, que clubes de esposas fizeram protestos publicos e na imprensa contra a popularidade desses estabelecimentos.

Maria (esse é o nome da minha personagem) precisou abrir mão do cafezinho em público, em nome da boa reputação de seu nome. Desloquei os personagens até o ambiente privado da residência de um deles, enquanto Maria lamentava as limitações impostas ao seu sexo na sua época. Mas por birra, reescrevi a personagem ao longo do livro como uma aficcionada por café, lamentando ter nascido na época errada.

2 comentários:

Anônimo disse...

você talvez tenha ficado sabendo da cantata do café de J.S. Bach, que é de 1735? é uma opereta cujo texto opõe um pai, que não quer que a filha tome café, à filha, que naquela altura já está viciada e tudo. bom, se você não ficou sabendo é um elemento legal para a pesquisa.

Samir Machado disse...

Não sabia mesmo. É um detalhe bacana, valeu pela dica.

AddThis